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O Diário de Um Mago e o Alquimista,
de Paulo Coelho

O Viajante do novo astral

A magia de Paulo Coelho é mais corriqueira do que aparenta

O Diário de um Mago, de Paulo Coelho
Editora ECO, 246 p.

O Alquimista, de Paulo Coelho
Editora Rocco, 247 p.

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Certa vez estive com Jackie Collins em Londres. A debochada escritora de sucesso me confessou: “Tom, as pessoas realmente gostam de ler sobre três grandes temas: pobres que se tornam ricos, a empolgante trip do poder e a psicologia barata dos relacionamentos”. Para ela, essas eram as fórmulas certas para um livro ser best-seller. Não discuti, apreciei a colocação e guardei a frase no micro, para um dia voltar a pensar nela.

Acredito que a civilização está se cansando desses temas. Afinal, são anos e mais anos de publicações e autores bombardeando o leitor com variações sobre a mesma coisa. Ninguém aguenta mais ouvir falar de jogadas para subir na vida, poços de petróleo, governantes corruptos e trama de espiões, quanto mais de conselhos de psicólogos e empresários bem sucedidos. O best-seller tradicional está em xeque. De tanto copiar o mesmo modelo, parece que o filão está secando. Acho que o público quer novos assuntos, novas aventuras!

Cresce o interesse do público por castelos medievais e terras exóticas. O mercado se renova. É o que se vê nas listas dos mais vendidos. Boa parte dos assuntos em voga foge do padrão descrito por Jackie. Quem não quiser sair do negócio, é bom aprender com os pioneiros da onda ocultista.

Recebi recentemente dois livros de Paulo Coelho, um desses novos autores de sucesso. Ele não se encaixa em qualquer rótulo preconcebido. Mora no Rio de Janeiro, América do Sul, compõe músicas no gênero rock ‘nd roll, frequentou diversas seitas místicas e hoje viaja pelo mundo seguindo trilhas sagradas. É a saga do peregrino na busca de sua Lenda Pessoal.

Em O Diário de um Mago, narra suas aventuras percorrendo o estranho caminho de Santiago – uma rota de peregrinação muito famosa séculos atrás, que vai da França à Espanha. Movido pelo desejo de encontrar a Espada Mágica, que não conseguiu obter durante um ritual na serra do Mar, Paulo se envolve em aventuras e desventuras com seres de carne e osso e do além. A viagem a pé pelos 700 Kms que separam as duas cidades é pretexto para a descoberta do Verdadeiro Conhecimento. Para isso conta com a ajuda de Petrus, seu guia espiritual, designado para acompanhá-lo. Ao longo do caminho uma série de peripécias, como duelos com o Demônio e outras forças que procuram afastá-lo do objetivo, dá a oportunidade para que o Guia e o Aprendiz travem diálogos onde o autor revela sua Sabedoria Pessoal. Durante a história, o Guia vai ensinando alguns exercícios exóticos, como o ritual do mensageiro, o exercício do enterrado vivo e o da audição, entre outros. Essa culinária mística é oferecida à parte em páginas destacadas, onde o autor descreve seus passos para que o leitor possa participar.

O Alquimista conta a história de um jovem pastor espanhol que é acossado por um insistente sonho. Depois de decifrar revelações de uma cigana vidente e do Rei de Salém, vai ao norte da ãfrica e atravessa o deserto em busca do seu Tesouro. Nessa viagem ele conhece o Amor, a Linguagem do Mundo e um Alquimista que vai ajudá-lo. Novamente a peregrinação tem o objetivo de revelar segredos esotéricos ao alcance do homem comum. Ele é escolhido para sofrer provações de toda sorte, antes do desfecho final. O Aprendiz dialoga com o Mestre Alquimista e chega a conversar também com o deserto, o vento, o sol e outros companheiros de viagem.

Depois de passar pelos dois livros, também me vi como um místico e tive a ligeira sensação de dejá vu. As viagens de Paulo Coelho no caminho de Santiago, ele mesmo não nega, são uma espécie de Carlos Castañeda II – A Missão. Em O Alquimista, as descrições são mais líricas, e o livro deve lembrar ao leitor de um certo Malba Tahan aqueles chavões da sabedoria e crueldade dos árabes e do deserto. Ao longo dos dois livros, as etapas do Caminho do Conhecimento, descritas por Castañeda, são repetidas por Paulo Coelho. A diferença entre os dois autores se dá ao nível da linguagem e da cabeça dos personagens. Se o Aprendiz de Castañeda é o universitário conhecedor de ervas e segredos e o bruxo é um índio misterioso, os personagens de Paulo, especialmente em O Diário de um Mago, têm outro perfil. São mais tropicais. O autor é um deles, um carioca descontraído que se sente à vontade em usar uma camisa I Love NY, sob um traje medieval de peregrinos. Seu Guia é um designer italiano famoso, que vota no PCI. Daí o mix da sua narrativa oscilar entre modernidade e tradição, corriqueiro e sagrado. O mago pode ser qualquer um de nós. Você pode lutar com o demônio e tomar um bom vinho Riojas a seguir.

Nos dois livros Paulo Coelho refaz trajetórias históricas e religiosas. São interessantes as informações que traz sobre fatos e acontecimentos do passado. No plano das idéias são colocados no mesmo caldeirão padres, bruxos, malucos, pastores, santos, cavaleiros medievais e filósofos, entre outros! A linha central que une toda essa turma é o Eterno Retorno, explorada por Niezstche no século passado. É preciso cumprir a missão da travessia e chegar enfim ao início. Mais uma vez o dejá vu, parece que os anos setenta estão mesmo na moda. Voltar é o que há!

No mais, penso que a verdadeira qualidade de Paulo Coelho é conseguir de fato entrar em sintonia com a expectativa do grande público. As pessoas andam interessadas no aprimoramento pessoal a partir da descoberta de suas energias interiores. Ele nos convoca: todos podemos ser magos. Essa é sua Verdade e Virtude. O leitor de Paulo Coelho se confunde com os personagens e o narrador, especialmente quando este se apresenta como um homem comum vivendo uma aventura extraordinária. O público reconhece o que lê como seu e muitas vezes se esquece que o texto não está bem alinhavado. Deixa de notar que o autor não teve muito cuidado com sua expressão, muito menos a segunda editora na revisão e preparação dos originais.

Os livros tem uma cara muito igual. Isso preocupa. Uma fórmula que deu certo não significa que vai continuar dando. As editoras seguem na esteira de um sucesso até esgotar o nome do autor. Paulo que abra seu olho. Ele tem que ser cuidadoso, deixar de fazer mais para fazer melhor. Dizem que já tem seus royalties adiantados, e que está envolvido em nova peregrinação. Antes do leitor embarcar na sua próxima viagem, será preciso saber se o mago continua atrás de sua Lenda Pessoal ou se foi engolido por compromissos editoriais.

Álvaro Andrade Garcia e Delfim Afonso Jr.
6/1/1989

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