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O Guardião,
de Dean R. Koontz

Emoções na máquina do tempo

Dean Koontz mistura em O guardião ficção científica, a intriga amorosa e a narrativa do terror

O guardião, de Deean R. Koontz Tradução de Aulydes Soares Rodrigues Record, 320 p.

Nos dias que correm não faltam mestres e literatos incensados a propósito de mais um lançamento comercial. Basta estender o braço à prateleira de qualquer shopping cultural, a oferta é vasta. Em meios as lambadas e capas com os nomes de West, Forsyth, LeCarré, Zimmer Bradley e outros nomes cotados, podemos encontrar o novo livro do único autor de estilo comparável a Stephan King. Em O Guardião, temos o sucesso de um produto que faz a mixagem da ficção científica com a intriga amorosa e a narrativa de terror.

Laura Shane é uma jovem mãe atribulada por incidentes, traumas e lembranças ruins de passagens por reformatórios para crianças orfãs. Desde o nascimento, ela é acompanhada por um estranho que sempre aparece em meio a tempestades para salva-la da aflição. O destino da moça depende das viagens que esse seu anjo da guarda faz no tempo. A travessia de anjo pela Estrada do Relâmpago é o resultado de pesquisas desenvolvidas nos anos 40. Os primeiros crononautas haviam descoberto um meio de cruzar a Estrada do tempo, projetando-se nos futuros anos 80 e retornando a sua própria época. É, desse modo, até mesmo a história do século poderá ser reescrita se algo não for feito contra os inimigos de Laura Shane. Koontz trabalha com inteligência e sutileza a matéria-prima da literatura de terror: as emoções dos leitores. Na pauta do gênero, afirma-se que o aficionado ama cultivar ansiedades e tensões, sem esquecer da atração pelo insólito e pela aberração. Koontz e seus pares parecem acreditar que o leitor, sob a pressão do cotidiano, precisa sentir-se menos culpado e menos inseguro. Daí as revelações inspiradoras de transgressão e de medo. Neste romance, alguns temas básicos da literatura comercial são revestidos como a força do destino, a ameaça do nazismo, a recuperação do passado e a personagem feminina de forte personalidade. No transcorrer de mais de 300 páginas persegue-se com obsessão a essência do gênero: a presença da morte e as estratégias muito humanas para detê-las.

O olhar curioso pode se defrontar com a dedicatória bem humorada e epígrafes díspares que reúnem na mesma página o filosofo Lucrécio, o cineasta Woody Allen e o verbete sobre a montanha russa do Randon House Dictionary. Mas o leitor não precisa se deter nessas citações irônicas que dão passagem a outras de Lao Tsé e Sir Thomas Browne. Afinal, Koontz está pilotando uma literatura que cultiva as emoções de um certo público à espera de grandes revelações para o próximo fim de século. Enquanto a década se torna mais enigmática nas manchetes dos jornais, nada como o livro que nos revela aflições que duram apenas até se chegar à última página.

O apelo de O Guardião corre por conta da tentativa de casar os fãs do terror com os da ficção científica. A bem urdida trama em torno da máquina do tempo convive com os macetes do suspense. Stephan, o anjo que vem do passado interferir na vida de Laura, realiza cálculos bastantes complexos para vir dos anos 40 aos dias atuais e fazer o percurso inverso. Como é iniciante no uso da máquina, precisa descobrir o que se pode ou não se pode alterar no passado de cada um e da própria história política do mundo. Para agrado do leitor de Koontz, Stephan é perseguido nos dias de hoje por inimigos do passado que põem em risco a vida de Laura Shane. Os viajantes do tempo podem quase tudo; por exemplo, alterar o futuro que é plástico e mutável. Com base nesse paradoxo, a própria história da última grande guerra poderia ser reescrita. Koontz não perde a oportunidade de explorar as apreensões do consumidor.

Entre as cenas saborosas de O Guardião, duas personagens históricas participam como astros convidados: Winston Churchill e Adolf Hitler. Koontz mostra ai seu brilho de contador de história, imaginando atitudes e pensamentos de personagens que se encontram de súbito cara a cara com o trânsfuga dos anos 40. Simpático a Churchill, o bom Stephan leva de volta ao passado um exemplar de livro que o estadista inglês só escreverá anos depois. O primeiro- ministro sente a irresistível de ficar de posse do exemplar sobre a II Guerra Mundial. Era a possibilidade rara dada a raros mortais de poder plagiar a si mesmo e à própria vida. Humano e bonachão, Churchill quer saber o que acontecerá com os soviéticos depois da guerra. Koontz explica nas palavras do onisciente Stephan que os russos se tornarão mais poderosos que os britânicos, apesar de seu modelo socialista produzir a ruína econômica. Elementar meu caro Winston. A poucas páginas dali, o autor seu golpe de mestre ao mostrar como o desfaçatez de Stephan leva o inimigo Hitler a se preparar para a invasão dos aliados em outra região muito longe da Normandia.

Dean R. Koontz tem o hábito de publicar sob vários pseudônimos obras pertencentes a outros gêneros literários. Diante de processador de texto, trabalha com mais constância o tipo de história preferido de seu público: o terror. São 50 romances publicados, sucesso garantido de público e – vá lá – de crítica. Seu leitor se sente a vontade na recriação do mundo de vivências cotidianas. Assim se goza o conforto de revalorizar a ordem das coisas que entra em colapso nessas narrativas. É um modo de descarregar os maus sentimentos, diria Stephan King. O mal e a ruína podem estar em toda parte, mas nas páginas de O Guardião readquirimos a sensação de segurança imediata, cada coisa em eu lugar. Às vezes pensamos que os autores de best sellers estão entre os mais interessantes que conhecemos. A exemplo de Koontz, podemos tomar duas aspirinas e a sensação persiste. A banalização das obras ainda não retirou de vez a sedução que exerce sobre o leitor o mito da narrativa bem escrita.

Álvaro Andrade Garcia e Delfim Afonso Jr.
8/6/1991

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