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Vídeo Digital

versão 1: 2000

Uma previsível revolução está em curso no mundo digital. Estamos na era do desktop video. Depois de anos de marginalidade em função das suas exigências de memória e capacidade de processamento, o vídeo se incorpora ao cenário digital da mesma forma que a editoração eletrônica fez na década de 1980.

Naquele momento, no mundo editorial, se viu desaparecerem as máquinas de escrever e a composição gráfica tradicional para hoje estes lugares estarem ocupados por computadores, de notebooks a potentes máquinas de produção de fotolito e até mesmo rotativas digitais.

O vídeo, durante este tempo, andou um pouco fora de moda dentro do computador, especialmente quando os processadores eram lentos e também leitores de CD ROM. Abriam-se janelinhas que exibiam catrancando os poucos vídeos existentes nos aplicativos multimídia.

Depois disso veio a internet e a situação piorou. As linhas telefônicas eram ainda mais lentas que os leitores de CD ROM e a palavra era voltar para trás, usando a boa tela com fotos pequenas e ganhar conectividade. O DVD custou a chegar, em função do arrasto de uma discussão sobre seus formatos mundiais, um contrasenso para manter o controle dos estúdios sobre o calendário de lançamentos e a disseminação das cópias de filmes. Acabou que quando foi lançado a internet estava no auge da popularidade e o DVD não decolou como anteriormente se pensava que decolaria. Muitos chegaram a dizer que morreria antes mesmo de nascer… e só agora começa a ganhar terreno.

Fora dos computadores o vídeo ficou numa encruzilhada algum tempo. Depois do VHS vieram outros formatos, mas nenhum chegou a agradar aos amadores. O Hi-8, o SVHS, e outros buscaram ocupar um nicho de mercado que ficou sem sucessores, na medida em que a qualidade dos equipamentos melhorava muito mais que a qualidade do formato padrão e nenhum outro formato se tornava um padrão de fato.

No vídeo profissional os formatos mudaram pouco. Surgiram os formatos componentes de alta qualidade, com sinais ainda analógicos, tais como o Betacam. Eclodiram diversos formatos digitais, cada um buscando ocupar um nicho de mercado que parecia promissor. A discussão sobre a televisão de alta definição permaneceu no ar, mas nada se resolveu a ponto de podermos falar de uma grande mudança.

A partir do início dos 1990, as ilhas digitais não lineares se tornaram grandes atrações. Pré montagem de filmes e vídeos em ilhas Avid, Fast, Media 100, etc, etc começaram a mostrar a quem trabalhava com vídeo e cinema que as possibilidades de composição, edição e manipulação de imagem e áudio num ambiente digital eram inimagináveis. O computador pôs o pé de vez no mercado. Surgiram os primeiros filmes rodados com câmeras digitais e a indústria de computação gráfica de alta qualidade atingiu sua maioridade.

E chegamos aos 2000 com o computador nas ilhas de edição profissional e um considerável número de emissoras e captadores trabalhando em formato digital. Entretanto, continuava a separação, que diga-se de passagem, sempre interessou à indústria eletrônica, entre equipamentos e ambiente profissional e ambiente amador. Além disso, o mercado amador ficou sem uma evolução próxima ao que aconteceu nas grandes ilhas de edição.

E mais uma vez a história dos computadores passou pela cabeça de um de seus pais e executivos mais brilhantes. Steve Jobs lança os novos Macs, todos com portas firewire, um tipo de conexão muito rápida e simples de se usar. Eu mesmo me perguntei na época, ‘são autopistas de entrada e saída de dados muito, muito mais rápidas que as necessidades atuais, onde está o pulo do gato?’ Claro que ele já sabia. Os principais fabricantes de câmeras do mundo aderiram à idéia e lançaram diversas câmeras digitais nas quais incluiram portas firewire.

Estava pronta uma boa idéia. Uma câmera digital, ligada diretamente a um computador, onde software dedicado captura as cenas, edita e as ‘imprime’ de volta para a fita ou reconverte para um dos vários formatos de circulação eletrônica de vídeo e áudio. A idéia dele é clara: fazer uma revolução igual à que a Kodak fez quando popularizou as câmeras fotográficas.

A qualidade da imagem no formato que foi escolhido é mais que satisfatória, e é um salto enorme em relação ao VHS. O Mini DV, com sinal SVHS e o DV CAM com sinal componente se tornaram um padrão. Existem câmeras que cabem na palma da minha mão capazes de gerar imagens que suplantam muitas das enormes câmeras analógicas de alta qualidade que conheço. E é claro, diversos fabricantes de PCs já incorporam portas firewire nas suas máquinas. Vemos então uma explosão na variedade de softwares, câmeras e acessórios para este mercado.

Além destas facilidades técnicas que o ajudaram a se disseminar, o vídeo digital encontra também ressonância no comportamento das pessoas em relação à produção/consumo de imagem em movimento. Paralelamente ao apogeu do cinema/indústria onde graças a uma sofisticação e integração inimagináveis de elementos do mundo físico com elementos gerados e aplicados em computador surge fortemente nas pessoas, especialmente na geração mais nova, uma sede de ‘espontaneidade’. As pessoas sabem que a imagem perfeita traz no seu fundo um pecado mortal: ela é muito cara e muito estudada. E nesse sentido se afasta do registro de realidades mais frágeis que não se mostram dessa maneira.

Na publicidade já se fala de uma nova geração que gosta de pão-pão queijo-queijo. Nos EUA estão sendo estudados. Não querem comprar mais jeans por que alguém muito bonito e especial usa. Gostam de imagens diretas: ‘esse é o jeans, ele é assim ó’. Talvez esse desejo seja resultado de uma overdose de imagens na cabeça dessa geração. O fato é que o desejo da imagem mais direta e menos ‘produzida’ hoje paira no imaginário. É obvio que os publicitários e a indústria do cinema e tv já perceberam esta onda. E estão sendo produzidos n produtos com ‘cara’ de diretos e sinceros. Mas isso é assunto para outro texto.

O que assistimos então? Ao apogeu do cinema/video indústria, com total integração de meios digitais e de computação gráfica aos cenários e ao mesmo tempo o surgimento exuberante de novos mercados e espaços para idéias ligadas a outras formas de produção e circulação da imagem em movimento.

O grupo Dogma da Dinamarca, por exemplo, produziu diversos filmes a partir do estabelecimento de premissas visando ‘desproduzir’ o material áudio visual. Cenas sem luz artificial, câmeras na mão, mínimo de processamento nas edições, etc, etc. Win Wenders também gravou seu documentário sobre o Buena Vista Social Club, em Cuba, com câmeras na mão. Mesmo as câmeras fixas. Sabemos que usou super câmeras digitais e steady cams, mas fez imagens que não se ousava fazer antes num cinema de maioridade. No Brasil ‘uma ideía na cabeça e uma câmera na mão’ está de volta e muitos filmes e vídeos estão sendo feitos nessa base.

Evidentemente, que de uma web cam na redação de um jornal, ou apontada para uma avenida em movimento, de um batisado da sobrinha, à incorporação de elementos dessa nova linguagem pela indústria do cinema, há um grande espaço que está sendo ocupado de todas as formas imagináveis pelos criadores. E é nesse grande espaço que se situa um que considero muito promissor: o do artesanato e dos mini estúdios eletrônicos.

Falo justamente dessa possibilidade da imagem em movimento voltar a ter a liberdade que teve antes da indústria do cinema e da tv. Câmeras baratas, pequenas, ligadas a computadores, necessidade de pouca gente, alta qualidade de imagem e som, canais novos de distribuição, novas estéticas e novos tempos – no sentido musical do termo. Estamos falando de milhões de novos realizadores buscando caminhos de expressão fora da estreita faixa existente na indústria tradicional. Estou falando da possibilidade de se fazer vídeo com uma câmera e um notebook e evidentemente uma estética e uma nova técnica na cabeça. Nunca esteve tão editar bons trabalhos com recursos.

Na minha experiência pessoal com estes novos equipamentos, o que mais atrai a atenção na câmera é seu reduzido tamanho, sua alta sensibilidade para ausência de luz e a presença de visores de cristal líquido que te permitem despregar o olho da câmera. Só estas três qualidades fazem qualquer um alegre. O impacto que uma equipe grande, iluminação e equipamentos periféricos ocasiona em certas cenas torna a sua realização extremamente difícil e algumas vezes impossível.

Com estas câmeras, que gostaria mais de chamar de capturadores que de câmeras, podemos digitalizar impressionantes volumes de vídeo, áudio, fotos, etc com uma redução brutal da nossa interferência no meio onde gravamos. Evidente que isso influi na ‘espontaneidade da cena’ e também no orçamento necessário para se produzir aquela cena, e que isso tem finalmente implicações na liberdade de quem grava e participa daquela cena.

A câmera solta dos olhos e pequena abre diversas novas possibilidades de enquadramento e movimentação. Estamos no fim da era câmera nos ombros. Deixar a câmera vendo em planos e posições diferentes dos nossos olhos, de forma fácil e gestual é uma grande coisa. Evidentemente que poderia-se questionar que este tipo de ganho existe em outros sistemas, não é algo inerente ao vídeo digital. Mas o que estou salientando é o conjunto harmonioso de novas possibilidades com simplicidade e baixo custo que ocasiona uma base para mudanças estéticas. Além disso falamos de um senso estético associado.

Quando largamos a ilha de edição tradicional, estamos falando de abandonar centenas de milhares de dólares e ambientes climatizados para estar num quarto de hotel, por exemplo, diante de um notebook e com uma cerveja na mão dando acabamento no seu último vídeo. Ou numa mesa de trabalho comum diante da tela. Com o arsenal existente hoje, é possível editar ilimitadamente as imagens, agregar áudio de qualidade, mixar, interferir e também processar para saída em diversos formatos. A edição do vídeo digital nos computadores de baixo custo ainda exige algum tempo de render, mas isso é uma questão de tempo. Para quem viu computadores de última duração demorando 50 minutos para fazer um frame e depois outros tantos para gravar isso numa fita quadro a quadro como eu é bastante aceitável esperar a régua do Première se preencher de vermelho em seis a oito minutos.

Resumindo, estamos mesmo diante de novos sistemas de custo baixo que exigem cada vez menos equipes, que se dissemina mundialmente, aumentando em milhares de vezes a base de criadores de imagens capaz de ofertar novas obras. Esta expansão tecnológica está sincronizada com um sentimento de época que busca mais artesanato e menos indústria, no seu processo de produção e circulação.

E onde vamos parar? Existe uma nova geração que não sabe o que é ilha de edição. E mais, em breve as câmeras não terão mais fitas e sim discos óticos ou magnéticos não lineares. A velocidade da rede esta crescendo e o video digital que circula ainda em VHS ou na televisao vai se tornar a base de um novo momento da internet. Os Macs agora têm programas de edição de vídeo que fazem parte do sistema operacional! É só esperar mais alguns anos que o vídeo interativo vai se tornar uma nova metáfora de navegação na web e nos DVDs e boa parte dele deverá ser produzida diretamente pelas pessoas e grupos, com suas novas próteses audio-visuais digitais, em novos tipos de ‘produtoras’.

Álvaro Andrade Garcia

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