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A Convidada de Honra,
de Irving Wallace

Ligações Fabulosas

Em seu romance de despedida, Irving Wallace insinua que a política é a arte do ridículo

A Convidada de Honra, de Irving Wallace
Editora Record, 336 p.

O leitor contemporâneo tem acesso aos mais diversos comentários e interpretações sobre o cotidiano das relações internacionais. Chefes de estado e personagens dos escalões imediatos desfilam no noticiário com charme e naturalidade. Além do status que lhes confere o própio cargo, povoam o imaginário da época com as nuances da ficção. O mais recente livro de Irving Wallace replica a aura dos olimpianos. A Convidada de Honra narra o caso amoroso do presidente americano com uma misteriosa e fatal primeira dama do Extremo Oriente. Enquanto as manchetes nos mostram George Bush com o rosto contraído e a boca torta diante dos últimos percalços, tudo rola mais fácil nas páginas de A Convidada de Honra para Matt Underwood, o irreal ocupante da Casa Branca.

É divertido ler como quem finge acreditar no que lê. O impagável contador de histórias Irving Wallace reaparece nas livrarias para comprovar o que frisam os releases das editoras. Ele convence seus aficionados de que os bastidores da cena americana funcionam mais ou menos como aparentam ser. Apesar de o mundo já não ser pautado pelo Muro de Berlim e pela Guerra Fria, uma pitada aqui, outra ali e se arrumam as coisas para não dar muito trabalho ao caríssimo leitor. É como se as relações internacionais tivessem mudado após a perestroika, mas não ameaçassem tanto o conformismo feliz. Matt Underwood não precisa se preocupar com os incômodos recentes da invasão do Kwait e da crise do orçamento, afinal A Convidada de Honra foi escrito bem antes desses abalos. Wallace se farta em pincelar a trama amorosa e a expressão dos humores de seus personagens em cenários burocráticos ou exóticos, distante de dramas menos sofisticados como o dos nossos marines no deserto dos árabes. Sobra para Matt Underwood a chance de viver por conta própria suas trapalhadas e indecisões, pois escapa até mesmo do foco da mídia.

Na ótica do nosso contador de histórias, um presidente ligeiramente entediado acaba se envolvendo com viúva presidenta da longínqua ilha de Lampang. Quase tudo nessa trama dá a impressão de acontecer um pouco ao acaso. Deve ser para aliviar o leitor das grandes cidades com um certo frescor da trivialidade cotidiana. Lá está Matt Underwood, ex-âncora do jornal da noite, alçado ao posto de presidente da maior potência internacional. Desencontrado das ambições que alimenta sua mulher Alice, a ex-Miss América que também fez carreira na TV, ele procura alguma motivação para continuar no cargo. E não é que a encontra na solitária Noy Sang, chefe de estado espremido no mapa da eterna luta entre comunistas e democratas!? Ela vai a Washington para negociar alguns milhões de dólares de empréstimo, mas ele precisa convencê-la a autorizar a instalação da maior base aérea americana no Sudeste Asiático. Desde que se conhecem, Matt e Noy Sang trocam confidências políticas e pessoais de arrepiar. Ele revela sua intenção de cara: pretende largar a Casa Branca e pregar o seu Plano Popular de Paz Não-Nuclear. Ela confessa sua admiração pelos filmes e a Constituição americanos, além de algum problema que lhe traz o embate entre comunistas e ultra-direita em seu país. Depois de uma empatia fulminante e de passeios clandestinos, os dois voltam a se encontrar graças à fértil imaginação do autor. O presidente americano vai ao obscuro Lampang só para dar apoio à moça, durante o velório da irmã. Para seu transtorno, um repórter da mesma rede de TV em que fizera carreira consegue imagens inéditas do casal enamorado em afrodisíaca praia. É o bastante para o esperado ciúme de Alice e suas artimanhas de mostrar seios e pernas ao chefe do Gabinete Civil a fim de obter informações sobre o caso. Se você começa a desconfiar que já conhece esse filme, espere porque ainda não viu nada. O intrépido presidente cinquentão retorna a Lampang para enfrentar, de Smith & Wesson em punho, os sequestradores de sua namorada.

Irving Wallace é um renomado escritor que publicou cerca de quinhentas histórias curtas e artigos e vendeu mais de duzentos milhóes de exemplares de seus trinta e três best-sellers. A carpintaria de Wallace reúne a leitura fácil, a trama evidente com muito diálogo, muita ação e personagens que lembram a velha seção Meu Tipo Inesquecível do Reader’s Digest. Matt e Alice Underwood, ao lado da deliciosa Noy Sang, são gente como a gente vivendo aqueles valores imutáveis que fazem o status quo. A maior diversão da narrativa corre por conta dos vazios no dia a dia do primeiro mandatário. O ex-âncora que chega a presidente precisa mostrar uma certa imagem, as assessorias que façam o resto. Talvez a contragosto do próprio Wallace, A Convidada de Honra acaba por criar a imagem do rabaixamento a que chegou a atividade política. Underwood, investido no papel de líder do Mundo Livre, não gosta de acordar todos os dias e ter que tomar decisões. O seu Plano de Paz Não-Nuclear pretende convencer nove líderes de nações que não possuem armas nucleares a desistir delas. Em meio a essa lógica ingênua, os dias do presidente são salpicados por fofocas nos altos escalões, articulações políticas à sua revelia e um inopinado sequestro da chefe de estado asiático. Destaque à parte, merece o sincero espião da CIA em Lampang: Sierbert não tem a mínima idéia de quem possa estar por trás das dificuldades sofridas por Noy Sang. As surpreendentes trinta páginas finais transformam o mandatário e o repórter americanos numa risível dupla dinâmica que assume papéis inviáveis em terra estranha.

Quem gosta de vernizes literários a respeito das esferas do poder, vai se divertir à solta em A Convidada de Honra. Da capa ao miolo do texto, o veterano Irving Wallace está inteiro e senhor absoluto de seus recursos estilísticos. Por artifício do marketing editorial, o Matt Underwood da capa nos remete a George Bush. A mesma testa larga, as entradas da calva, o queixo quadrado e o nariz proeminente como é comum em retratos falados. Na narrativa, as hesitações de Underwood sobre o que deve e não deve fazer rebatem nos titubeios de Bush e embaralham, a nível precário e distraído, a atenção do leitor. Se a crise do orçamento continua e os recrutas inativos não sabem o que fazer nas areias do deserto, a culpa não será de Irving Wallace. Apesar das hesitações de seu fictício presidente, ao final, Underwood consegue manter o controle sobre si e sobre o resto do mundo, no mais alto estilo dos livros de consumo.

Álvaro Andrade Garcia e Delfim Afonso Jr.

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